quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O exemplo que vem do Japão


Nos últimos anos, nos acostumamos a ver ordens de equipe e trocas de posição nas mais diversas categorias do automobilismo mundial. Muitos defendem o chamado “jogo de equipe”, muitos o criticam, e a linha entre trabalho em equipe e deslealdade esportiva é muito tênue. Até onde uma ordem de equipe pode interferir no resultado de uma corrida ou na decisão de um título? Na Formula Nippon, tivemos em 2004 um dos maiores exemplos de esportividade e honra no esporte a motor.

A temporada de 2004 era uma das mais equilibradas da história da categoria, e na etapa final em Suzuka, três pilotos tinham condições de vencer o campeonato. Andre Lotterer, alemão da PIAA Nakajima, liderava a temporada com 33 pontos, seguido de perto por Richard Lyons, norte-irlandês da DoCoMo Dandelion com 29 e ainda tínhamos na briga pelo título o japonês conhecido da F1, Yuji Ide, da equipe Mobilecast Impul, com 26 pontos.

Nos treinos, Lyons mostrou sua costumeira superioridade nas provas classificatórias, ficando com a pole-position, ao seu lado na primeira fila, o companheiro de equipe de Yuji Ide, o piloto francês Benoit Treluyer. Os outros dois candidatos ao título não foram bem, Andre Lotterer era oitavo e Yuji Ide logo atrás na nona posição. Tudo parecia se encaminhar de maneira tranquila para Lyons. Mas logo veríamos que não seria bem assim.

Lyons largou bem e manteve a ponta, mas um pitstop desastroso acabou tirando do britânico a liderança da corrida. Nessa altura, atrás de Treluyer, Lyons ainda era campeão, mas via o japonês Yuji Ide se aproximar cada vez mais, numa excelente corrida de recuperação. Enquanto isso Andre Lotterer sofria e não conseguia passar de um sétimo lugar.

Faltando três voltas, Ide finalmente superou Lyons e todos esperavam uma troca de posições entre os companheiros da Impul. O campeonato parecia ter chegado ao fim para Lyons. Mas as voltas passavam e a ordem não chegava. Última volta e Lyons, sem conseguir recuperar o segundo lugar perdido para Ide, só podia torcer para que a esportividade falasse mais alto e as ordens de equipe não chegassem. E foi exatamente o que aconteceu, numa decisão honrada, valorizando o esporte e a competitividade, Kazuyoshi Hoshino, dono da Impul e o maior nome do automobilismo japonês, negou dar qualquer ordem de equipe. Benoit Treluyer venceu a prova, com Yuji Ide chegando em segundo e Richard Lyons em terceiro. Nesse dia não só Lyons venceu, como o esporte em si conquistou uma belíssima vitória, o Japão deu ao mundo um exemplo de conduta no esporte e aquela temporada terminou como a mais equilibrada de todos os tempos na categoria.


Richard Lyons em sua DoCoMo Dandelion

Vamos agora para algumas explicações. Richard Lyons, com os 4 pontos da terceira colocação chegou aos mesmos 33 de Lotterer, com Yuji Ide chegando aos 32 graças ao segundo lugar. Lyons e Lotterer tinham ambos, duas vitórias, um segundo, um terceiro e um quarto lugares. Rigorosamente empatados. Ai chegamos ao último critério de desempate, o número de poles na temporada e nesse quesito Lyons tinha uma boa vantagem e conquistou assim seu primeiro e único título na categoria. Com sua vitória em Suzuka, Treluyer chegou a 30 pontos e o campeonato de 2004 terminou com os quatro primeiros colocados separados por apenas 3 pontos, além do empate histórico entre Lyons e Lotterer. Sem dúvida nenhuma, o final de temporada mais emocionante de toda a história da Formula Nippon.


Kazuyoshi Hoshino, dono da Impul

A atitude de Hoshino mostra não só a transparência da Formula Nippon, mas também uma forma muito mais limpa de se enxergar e lidar com o automobilismo. Hoshino nos seus dias de piloto marcou época no Japão, nenhum piloto japonês conquistou tantos títulos quanto Hoshino, que foi um dos desbravadores japoneses, que correram nas duas edições do GP do Japão de F1 nos anos 70, na pista de Fuji. A equipe Impul de Hoshino é uma das mais, senão a mais tradicional e vencedora equipe do automobilismo japonês, com inúmeras glórias na Formula Nippon e também no SuperGT. Mesmo com todo o poder de sua equipe e força de seu nome, Hoshino decidiu pelo mais certo e mais justo, e deixou que o título fosse decidido na pista, pelos pilotos e não por ordens de equipe. Um exemplo que deveria ser seguido por toda e qualquer categoria do automobilismo mundial. Parabéns Kazuyoshi Hoshino!

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